sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Contos do Leste

O Rei Sábio – Khalil Gibranz
UMA VEZ, governava a distante cidade de Wirani um Rei, que era poderoso e sábio. E era temido por seu poder e amado por sua sabedoria.
Ora, no coração daquela cidade havia um poço cuja água era fria e cristalina, e dela bebiam todos os habitantes, até mesmo o Rei e seus cortesãos; porque não havia outro poço.
Uma noite, quando todos dormiam, uma feiticeira entrou na cidade e verteu no poço sete gotas de um líquido estranho e disse: “Doravante, quem beber desta água ficará louco”.
Na manhã seguinte, todos os habitantes, menos o Rei e seu lorde Camarista, beberam da água do poço e ficaram loucos, tal como a feiticeira tinha predito.
E durante aquele dia, os habitantes, nas ruas estreitas e nos mercados, não faziam senão sussurrar, uns aos outros: “O Rei está louco. Nosso Rei e seu Lorde Camarista perderam a razão. Naturalmente não podemos ser governados por um Rei louco. Precisamos destroná-lo”.
Naquela noite, o Rei mandou que enchessem com água do poço uma taça dourada. E quando lha trouxeram, dela bebeu copiosamente, e deu a beber ao seu Lorde Camarista.
E houve grande regozijo naquela distante cidade de Wirani, porque o Rei e o Lorde Camarista tinham recuperado a razão.


O Velho que Nunca Amou - Sufi
Conta-se que um elevado e santo mestre falava a uma grande e atenta plateia. Todos os presentes, velhos ou jovens, estavam fascinados com suas palavras.
No auge deste encanto, quando o seu discurso a todos deslumbrava, entrou um fumador de ópio, e com a fala algo arrastada disse:
- Mestre, perdi o meu burro. Ajuda-me a encontrá-lo.
- Tem um pouco de paciência meu filho, eu vou achá-lo – respondeu-lhe o mestre enquanto continuava a falar para a plateia.
Após algum tempo, enquanto discursava, perguntou aos presentes:
- Existe alguém aqui entre nós que nunca amou?
Depois de um ligeiro silêncio houve um velho que se levantou e disse:
- Eu nunca amei ninguém, desde a minha mais remota juventude. Nunca o fogo da paixão consumiu minha alma. Para que a minha mente não se confundisse, nunca deixei o amor ocupar meu coração.
Então, o venerado mestre voltou-se para o fumador de ópio que pouco antes o havia interrompido e disse-lhe:
- Aqui tens, meu filho, vê, acabo de achar o teu burro! Pega nele e leva-o daqui.

As Sonâmbulas - Gibran Khalil Gibran
 Na cidade onde nasci, viviam uma mulher e sua filha; e ambas eram sonâmbulas.
 Uma noite, quando o silêncio envolvia o mundo, a mulher e a filha, caminhando a dormir, encontraram-se no seu jardim, meio velado pela neblina.
 E a mãe falou: "Por fim, minha inimiga! Aquela  por quem minha juventude foi destroçada, que construiu sua vida sobre as ruínas da minha! Pudesse eu matá-la."
 E a filha falou: "Ó odiosa mulher, velha e egoísta, que se antepõe entre mim e meu Eu livre! Que gostaria de fazer de minha vida um eco de sua vida fanada! Quem dera estivesses morta!"
 Nesse momento, um galo cantou, e ambas as mulheres acordaram. A mãe perguntou ternamente: "És tu, querida?" E a filha respondeu ternamente: "Sim, querida."

A Lua no Poço - Nasrudin
Uma noite clara e enluarada, Nasrudin vai ao poço tirar água. Ao olhar para baixo, vê o reflexo da lua brilhando na água. "Nossa!", exclama. "A pobre da lua caiu dentro da água! Espere, lua, que já vou tirá-la daí!"
Nasrudin vai correndo até sua casa e volta com uma corda com um gancho de ferro amarrado na ponta. Sem demora, atira a corda dentro do poço, dizendo de forma encorajadora: "Vamos, lua, agarre firme que já vou puxá-la para fora daí." Infelismente, a corda fica presa numa pedra grande no fundo do poço e Nasrudin precisa puxar com toda sua força. "Ufa!"pensa com seus botões. "Mas como a lua é pesada!"
De repente, a corda se solta num tranco e Nasrudin cai de costas no chão. Quando consegue recuperar o fôlego, ainda estendido no chão, ele se depara com a lua no céu, brilhando no meio das estrelas.
"Não foi nada fácil, mas conseguimos!" diz Nasrudin, dirigindo-se à lua. "Que sorte a sua eu ter chegado bem a tempo de poder ajudá-la! Foi um prazer estar a seu serviço. Adeus, lua, e boa noite!"
 
O Credo do Amor - Rumi
Um dirigiu-se a porta da amada e bateu. Uma voz perguntou: 'Quem está aí?'
Ele respondeu: 'Sou Eu.'
Disse a voz: 'Não há lugar para Mim e para Ti.'
Fechou-se a porta. Após um ano de solidão e privações, ele voltou e bateu. Uma voz vinda de dentro perguntou: 'Quem está aí? '
O Homem disse: 'És Tú.'
A porta abriu-se para ele.

A Maneira de Dizer as Coisas - Sufi
Certa ocasião, o sultão sonhou que havia perdido todos os dentes.
Logo que despertou, mandou chamar um adivinho para que interpretasse seu sonho.
- Que desgraça, senhor! - exclamou o adivinho.
Cada dente caído representa a perda de um parente de vossa majestade.
- Mas que insolente! - gritou o sultão, enfurecido.
Como te atreves a dizer-me semelhante coisa?
Chamou os guardas e ordenou que lhe dessem cem acoites.
Mandou que trouxessem outro adivinho e lhe contou sobre o sonho.
Este, após ouvir o sultão com atenção, disse-lhe:
- Excelso senhor! Grande felicidade vos está reservada.
O sonho significa que haveis de sobreviver a todos os vossos parentes.
A fisionomia do sultão iluminou-se num sorriso e ele mandou dar cem moedas de ouro ao segundo adivinho.
E quando este saía do palácio, um dos cortesãos lhe disse admirado:
- Não é possível !
A interpretação que você fez foi a mesma que o seu colega havia feito.
Não entendo porque ao primeiro ele pagou com cem acoites e a você com cem moedas de ouro.
- Lembra-te meu amigo - respondeu o adivinho - que tudo depende da maneira de dizer... 

Aprendendo a Conversar com Deus - Nasrudin
Nasrudin aprendeu como pedir

Nasrudin, certa vez, estava sem um burrico que o ajudasse em seus afazeres.
Desesperado, sem ter meios de encontrar um, começou a orar, pedindo a Deus que lhe enviasse um burrico. Rezou por algum tempo e, certo dia, ao andar por uma estrada, deparou-se com um homem montado num burrico e atrás estava um outro burrico mais jovem.
Nasrudin aproximou-se do homem e este lhe disse:
- Mas que vergonha, eu estou trazendo um burrico de tão longe, estamos todos esgotados, e aqui está este homem descansado, sem fazer nada!
E ameaçando-o com uma espada, completou:
- Vamos! Coloque o burrico nas suas costas e venha comigo até a próxima cidade!’
Nasrudin, com medo não disse nada, simplesmente colocou o burrico em suas costas e seguiu o homem. Andaram por várias horas e Nasrudin estava exausto de tanto peso. Ao entardecer, chegaram na cidade mais próxima e o homem simplesmente fez Nasrudin descer o burrico das suas costas e seguiu adiante, sem sequer agradecer.
Nasrudin ergueu os seus olhos para o céu e disse:
- Está bem, Deus. Aprendi a minha lição. Na próxima vez serei mais específico... 

O Mosquito- Rumi
Você se parece com um mosquito que se crê alguém importante.
Ao ver uma folha de palha flutuando numa poça de urina de asno, levanta a cabeça e diz:
"Há quanto tempo sonho com um oceano e com um barco! Aqui estão!"
Esta poça de água suja lhe parece profunda e sem limites, pois seu universo tem o alcance de seus olhos. Tais olhos só vêem oceanos semelhantes. De repente, o vento faz mover-se a folha de palha, e nosso mosquito exclama:
"Que grande capitão sou!"
Se o mosquito conhecesse seus limites, seria semelhante a um falcão.
Mas os mosquitos não possuem o olhar do falcão.

O Diamante - Sufi
O Hindu chegou aos arredores de certa aldeia e ali sentou-se para dormir debaixo de uma árvore. Chega correndo, então, um habitante daquela aldeia e diz, quase sem fôlego:
- Aquela pedra! Eu quero aquela pedra.
- Mas que pedra? - pergunta-lhe o Hindu.
- Ontem à noite, num sonho, vi meu Senhor Shiva. Ele me disse que se eu fosse para os arredores da cidade, ao pôr-do-sol, eu encontraria um Hindu, que me daria uma pedra muito grande e preciosa, me fazendo rico para sempre.
Então, o Hindu mexeu na sua trouxa e tirou a pedra e foi dizendo:
- Provavelmente é desta pedra que ele lhe falou; encontrei-a numa trilha da floresta, alguns dias atrás; pode levá-la!
E assim falando, ofereceu-lhe a pedra. O homem olhou maravilhado para ela. Era um diamante e, talvez, o maior jamais visto no mundo. Pegou, pois, o diamante e foi-se embora.
Mas, quando veio a noite, ele virava de um lado para o outro em sua cama, sem conseguir dormir. Então, rompendo o dia, foi ver novamente o Hindu e o despertou dizendo:
- Eu quero que me dê essa riqueza que lhe tornou possível desfazer-se de um diamante tão grande assim tão facilmente!

O Louco - Gibran
Perguntais-me como me tornei louco.
Aconteceu assim:
um dia, muito tempo antes de muitos deuses terem nascido,
despertei de um sono profundo e notei que todas as minhas máscaras tinham sido roubadas
- as sete máscaras que eu havia confeccionado
e usado em sete vidas -e corri sem máscara pelas ruas cheias de gente, gritando:
"Ladrões, ladrões, malditos ladrões!"
Homens e mulheres riram de mim e alguns correram para casa, com medo de mim 

E quando cheguei à praça do mercado, um garoto trepado no telhado de uma 
 casa gritou: "É um louco!".
Olhei para cima, pra vê-lo.
O sol beijou pela primeira vez minha face nua.
Pela primeira vez, o sol beijava minha face nua, e minha alma inflamou-se de amor pelo sol,
e não desejei mais minhas máscaras. E, como num transe, gritei:
"Benditos, bendito os ladrões que roubaram minhas máscaras!"
Assim me tornei louco.
E encontrei tanto liberdade como segurança em minha loucura:
a e a segurança de não ser compreendido, pois aquele desigual
que nos compreende escraviza alguma coisa em nós.

A Dançarina -  Gibran
 Certa vez, vieram a corte do príncipe de Birkasha uma dançarina e seus músicos. Tendo sido admitida na corte, a jovem dançou a música da flauta, do alaúde e da cítara.
Executou a dança das chamas e do fogo e a dança das espadas e das lanças. Dançou as estrelas e o espaço, e, então, dançou a dança das flores ao vento.
Quando terminou, aproximou-se do príncipe e curvou o corpo, em reverência, diante dele. O príncipe ordenou que ela se aproximasse e perguntou-lhe: “Bela mulher, filha da graça e do encanto, de onde vem sua arte e o que é este teu poder de comandar todos os elementos em seus ritmos e versos?”
E a dançarina, aproximando-se, curvou novamente o corpo em reverência e respondeu:“Vossa alteza, sereníssimo senhor, eu não sei a resposta para tuas perguntas. Somente isto eu sei: a alma do filósofo habita tua mente, a alma do poeta habita o teu coração e a alma do cantor habita a tua garganta, mas a alma da dançarina habita o teu corpo inteiro.”